sexta-feira, 22 de março de 2013

Aruba

Aruba by Fred Matos
Aruba, a photo by Fred Matos on Flickr.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

mulher objeto



“Não existe uma prostituta em potencial em cada mulher, mas a prostituição é a conseqüência da atitude feminina. Na medida de seus atrativos, uma mulher está exposta ao desejo do homem. A menos que ela se resguarde inteiramente, por uma decisão de castidade, a questão é, em princípio, a de saber a que preço, em que condições ela cederá. Mas, com as condições satisfeitas, ela sempre se dá como um objeto. A prostituição propriamente dita só introduz uma prática de venalidade. Pelo cuidado que ela dispensa aos seus enfeites, pela preocupação que ela tem com sua beleza, que sua roupa realça, uma mulher se considera ela mesma um objeto, incessantemente oferecido à atenção dos homens.”

 

Georges Bataille

Em “O Erotismo”

 

ilustração: Nicole Kidman em cena do filme "Eyes Wide Shut" de Stanley Kubrick

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Clarice




A miríade de tonalidades de verde e azul do mar de Amaralina mesclando-se em pinceladas impressionistas. O sol a pino, meio dia, sexta-feira. O cheiro acre do azeite de dendê fritando acarajés no tacho de cobre cobrindo o fogareiro de brasa avivada ao abano compassado para não levantar cinzas. O sorriso da boca banguela que matraca com a comadre mais madura de outro tabuleiro um caso qualquer de amor ou crime. O menino nu barrigudo dormindo na esteira estendida no centro do abrigo redondo coberto de palha. Outro na barriga prenhe sob a bata branca rendada cruzada por colares coloridos de contas plásticas, guias consagradas sobre o tronco largo. Os piolhos sob o torço vermelho desmaiado coçado a ponta de faca a mesma usada para talhar o abará. À parte, na calçada, mais à praia, o facão afiado o negro forte tatuado ágil abrindo o coco verde esguichando a água doce quase morna que não a quis gelada, e o zunzum das abelhas coletando o açúcar do caldo da cana prensada a muque manivela, matéria prima de um mel suspeito, mas doce como a canção de Caetano ecoando no meu cérebro como o som do mar de maré cheia. As ondas escrevendo com espuma na areia o poema concreto e físico do esquecimento onde antes eram impressas as plantas dos pés descalços da primeira namorada, que não se despia no claro, apesar de não ser casta nem de corpo mal formada, e que não era morena como a da canção que tem o seu nome e outro enredo. Corria uma brisa morna, bem me lembro e lembro ainda do velho safado e sua proposta. Nos pagaria almoço e farra pra assistir uma trepada, coisa rápida. Por mim tudo bem, qualquer grana era bem vinda e tesão não me faltava, mas Clarice eu já lhes disse, não se despia na luz por nada. A sua única frescura era manter mistério da íntima arquitetura da úmida caverna que se aos meus olhos negava, me oferecia dócil, no breu das madrugadas, à língua, ao tato, ao falo e era perfeita a danada. Perfeita na geometria. Perfeita no molejo da anca ritmada. Nada se confunde em minha mente na memória daqueles dias, idos de 70, idílio de sempre. Viéramos de carona na boleia de um camião que o motorista bêbedo tocava em ziguezague, mas sem receio cantávamos e ríamos porque nosso horizonte era o próximo instante e o futuro esta piada onde só me restam lembranças lágrimas mais nada.




Conto publicado em “Melhor que a encomenda” – Coleção Selo Letras da Bahia – FUNCEB, EGBA – 2006.

ilustração: Wojciech Gerson - Odpoczynek (1895)